Edite Estrela: “Achavam que eu, por ser mulher, nova, e ligada às Letras e à Cultura, não tinha capacidade para resolver os problemas”
Conta com mais de 40 anos de vida política, foi deputada, Presidente da Câmara Municipal de Sintra, Vice-Presidente da Assembleia da República e eurodeputada durante uma década, tendo sido distinguida, por duas vezes, com um prémio graças ao trabalho que desenvolveu no Parlamento Europeu. Edite Estrela é um nome incontornável da política em Portugal e na Europa, e atualmente exerce a posição de Presidente da Comissão da Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto.
A Mulher na Vida Política e a Lei da Paridade
Foi na década de 80 do século XX que Edite Estrela iniciou o seu longo caminho na política, como dirigente do Partido Socialista. Numa altura em que Portugal ainda sentia as repercussões da ditadura salazarista, e se desbravava caminho relativamente ao papel da mulher na sociedade, a convidada do Programa Dona da Casa conta-nos como era a realidade da altura para as mulheres na política e quais as diferenças que observa atualmente: “Infelizmente, não há tantas como deveria haver. Ou seja, quando eu entrei para a política, costumava dizer que tinha entrado para o reino do masculino. (…) No anos 80, a representação feminina era mínima, mas já um pouco maior do que em 1976 em que havia apenas 15 deputadas, salvo erro, na Assembleia da República; não havia quotas”, sublinha.
No que diz respeito aos fatores principais para uma mulher se destacar na vida política hoje, Edite Estrela sublinha: “Hoje, graças à Lei da Paridade, há um maior número de mulheres que participam não apenas na vida política, no Parlamento, como também nas autarquias e até na vida económica. Havendo um maior número, é evidente que haverá processos de escolha diferentes. (…) Hoje, a oferta é bastante superior à procura. E acho que (a oferta) é de qualidade. Não vamos pegar na exceção para generalizar. Como dizia uma sufragista americana: ‘Só haverá verdadeira igualdade quando mulheres incompetentes acederem a lugares de poder’. Isto porque, em relação aos homens, é um dado adquirido que são todos geniais, competentes e ninguém questiona. Quando uma mulher é eleita, é muito escrutinada e há sempre quem faça o comentário ‘espero que seja competente’ – e esta é uma questão que, infelizmente, não mudou nos últimos 40 anos", afirma a entrevistada.
"Quando se vê uma mulher jovem, bonita, com autoestima, há muitos meios para a denegrir e silenciar. A invisibilidade das mulheres é um dado adquirido ao longo de séculos.”
Edite realça, ainda, que apesar dos progressos que se tem testemunhado devido à existência da Lei da Paridade, é necessário melhorá-la e aperfeiçoá-la, tendo em conta que continua a observar-se uma discrepância notável entre deputados e deputadas em Portugal: “A Lei da Paridade está a precisar de ser aperfeiçoada porque, por exemplo, em relação às penúltimas eleições, o Partido Chega elegeu doze deputados e só uma mulher”.
O Preconceito em Relação às Mulheres na Política
Ao longo dos anos e dos diversos cargos que desempenhou na sua vida profissional, Edite Estrela foi assistindo ao preconceito que, múltiplas vezes, as mulheres podem sentir quando tentam emergir na política. A convidada de Catarina Marques Rodrigues partilha a sua experiência e conta-nos de que forma é que esta questão a afetou: “Quando eu me candidatei à Câmara de Sintra, o Doutor Mário Soares, dois ou três dias antes das eleições, disse-me que não sabia se as coisas iam correr bem. Eu disse-lhe que estava convencida de que ia ganhar e ele acrescentou que algumas pessoas achavam que eu era simpática e culta, mas que acreditavam que Sintra precisava era de um homem que resolvesse os problemas. Portanto, em 1993, ainda havia essa mentalidade – achavam que eu, por ser mulher, nova, e ligada às letras e à cultura, não tinha capacidade para resolver os problemas", declara.
"Ainda há uma maior aceitação, por parte dos eleitores, de que seja um homem a resolver os problemas.”
A ex-Presidente da Câmara Municipal de Sintra partilha, ainda, como é que conseguiu ultrapassar essa pré-concepção dos eleitores, ganhar e acabar por ser reeleita com maioria absoluta: “Fazendo pedagogia através do exemplo, das boas práticas, da legislação, que também ajuda a mudar mentalidades, ainda que não seja suficiente. O poder local é muito gratificante, porque vemos o resultado da nossa ação. Acabei, depois, em 1996, por ser reeleita com maioria absoluta e as pessoas já reconheciam que, afinal, eu tinha resolvido problemas que se arrastavam há 20 anos”, garante.
O Divórcio e a Dificuldade em Conciliar a Vida Pessoal e Profissional
Tal como mencionado por outras convidadas do "Dona da Casa", como Alexandra Leitão e Assunção Cristas, também Edite Estrela menciona as dificuldades que algumas mulheres podem sentir, quando ativas na vida política, em conciliar os horários e as exigências que a profissão acarreta com a vontade de estarem presentes na vida familiar: “As funções autárquicas são muito exigentes; não permitem que se concilie a vida política com a vida familiar e pessoal. As mulheres, quando têm filhos pequenos, não têm essa disponibilidade nem estão para fazer esses sacrifícios e também porque os homens se chegam à frente, têm mais essa liberdade. As mulheres têm de escolher entre serem dirigentes ou serem mães, porque ainda não há partilha de responsabilidades entre homem e mulher, ao nível familiar. Claro que há exceções, mas ainda temos de caminhar muito”, ressalta.
No que concerne à sua própria experiência, a entrevistada confessa que as obrigações profissionais acabaram por impactar o seu casamento e levaram, eventualmente, ao seu término: “Os horários das reuniões não são feitos em função daquilo que são as opções das mulheres, mas sim dos homens. O que acontece é que as reuniões políticas – regra geral – são pós-laborais e, naquele tempo (em que Edite estava casada), para um homem que foi educado antes do 25 de Abril, aceitar que a mulher chegava tarde a casa não era fácil. Ele fez um esforço, mas não aguentou”, admite.
As Ameaças de Morte enquanto Eurodeputada
No decorrer dos 10 anos enquanto deputada no Parlamento Europeu, Edite Estrela esteve envolvida em diversas causas sociais. Algumas delas foram, segundo a entrevistada, alvo de críticas, manifestações e até levaram a que fosse ameaçada de morte por algumas pessoas: “Foi feita uma campanha muito agressiva, com alguma violência verbal, quando eu fui relatora de dois importantes relatórios: um deles era a revisão da diretiva sobre a licença de maternidade, que mobilizou muita gente para a crítica (…) e o que foi mais controverso, que causou ameaças e manifestações à porta do Parlamento, foi um relatório sobre a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos, onde se falava do direito ao aborto e da educação sexual. Foram ditas as coisas mais extravagantes: chegaram a dizer que eu preconizava, nesse relatório, que a educação sexual fosse dada nas escolas a partir dos 4 anos; o que eu dizia era que, à semelhança do que acontece em vários estados membros, havia muitas vantagens se na escola também houvesse educação sexual ministrada por um professor idóneo, e adequada ao nível etário dos jovens", esclarece.
Quanto às ameaças de morte que chegou a receber, Edite afirma: "Eram anónimas. Mas o que mais me chocou até foram as manifestações à porta do Parlamento, onde levaram crianças. Quando se tem a consciência tranquila, quando se sabe que se está a tentar melhorar a vida das pessoas, isso dá-nos muita força. Não devemos ceder ao medo nem à chantagem", partilha Edite Estrela.
O Ambiente da Assembleia da República
Finalmente, a ex-Vice-Presidente da Assembleia da República recorda o episódio sensível de troca de palavras, em abril de 2023, quando interpelou o deputado Pedro Frazão, do partido Chega, por se estar a desviar do assunto em discussão, o que culminou em duras críticas à sua atitude por parte da deputada Rita Matias. Edite Estrela alerta para o ambiente negativo que se vive, a seu ver, na Assembleia da República: “Isso (o rumor de que Rita Matias havia chamado ‘senil’ a Edite Estrela) correu, mas pelo menos na mesa ninguém ouviu. Esse assunto depois até foi levado à conferência de líderes porque eu senti que tinha sido posta em causa a minha autoridade enquanto Vice-presidente da Assembleia da República. (…) Atualmente o que eu noto é que há muito mais ruído, mais desrespeito uns pelos outros (entre os deputados), muitas tentativas de silenciar quem não gostamos e que há mais falta de educação. O que me preocupa é que isto é contagiante, ou seja, já não se circunscreve apenas a um grupo parlamentar", adverte a convidada.
"Isto é um mau exemplo para os jovens que absorvem tudo e que têm tendência para mimetizar não apenas os bons exemplos como também os maus.”
Numa conversa sobre mulheres e o seu papel na vida política, Edite Estrela fala-nos sobre o seu percurso profissional, a evolução do papel da mulher desde o 25 de Abril, o assédio sexual, o estigma sobre a idade e, ainda, sobre o seu divórcio.
"Dona da Casa" - São artistas, deputadas, atletas, empresárias e líderes. Têm destaque público, são donas da sua vida e provam que se pode ter vários papéis. Catarina Marques Rodrigues guia conversas sem filtros com mulheres, mas não só. Disponível em antena3.rtp.pt, RTP Play, Spotify, Apple Podcasts e YouTube da Antena 3.