Serenella Andrade: “Passei de princesa a um número, que é o que acontece muitas vezes”

Serenella Andrade: “Passei de princesa a um número, que é o que acontece muitas vezes”
Serenella Andrade fotografada nas instalações da RTP, em Lisboa.

É um dos rostos mais conhecidos e acarinhados do grande público. Serenella Andrade conta com quase 40 anos de carreira enquanto apresentadora de diversos programas da RTP como o Jogo de Cartas em 1991 ou, recentemente, o Fado Alfama em 2022. A convidada do Podcast Gender Calling dá-nos a conhecer o seu percurso pessoal e profissional, e conta-nos como foi construir o seu lugar num mundo onde já o pai tinha uma grande influência.

Filha de pai português e mãe italiana, Serenella começou o seu percurso profissional na embaixada italiana como tradutora, graças ao facto de ser bilingue. Aos 24 anos, decidiu participar num concurso para assistente de realização na RTP, aberto a qualquer pessoa, o que, defende, contraria todas as especulações de que o seu percurso no canal público de televisão portuguesa se deveu à posição do seu pai, Luís Andrade, que foi diretor de programas: “O meu pai não era de pedir. Eu concorri normalmente a um anúncio que vi no Diário de Notícias e, curiosamente, não tinha nada a ver com apresentadores, era para assistente de realização. Eu era muito tímida, não me via em cima de um palco a falar”, conta.

Após ter percebido que não ficara com o lugar, concorreu a um outro concurso como apresentadora de televisão e acabou por ser selecionada: “A certa altura averiguei e esse concurso já tinha acabado. Disseram-me que havia um outro para apresentação. Tentei e fiquei. Na altura, entrei com o Carlos Pinto Coelho e lembro-me de ele me dizer que achou muito engraçada à minha prova”.

Começou por fazer um programa de histórias infantis durante uns meses, foi despedida, entretanto regressou ao canal e só mais tarde, com a chegada de José Eduardo Moniz à RTP, é que sentiu a sua carreira ser lançada. Serenella Andrade recorda todo o processo em entrevista ao Gender Calling: “Comecei a fazer as histórias infantis, durante cerca de três meses. Um dia, lembro-me que tinha gravações à tarde e, quando cheguei, disseram-me que tinha sido despedida. Estive uns meses sem fazer nada (em televisão), estava à espera de que as coisas (na RTP) se compusessem. Passado esse tempo, recebi uma chamada a dizer que precisavam de mim para ser locutora no verão e voltei. Entretanto, chegou o José Eduardo Moniz para ser diretor de programas e foi ele que, realmente, me lançou. Convidou-me para fazer o Jogo de Cartas, depois veio A Casa Cheia e, portanto, devo-lhe muito.”

Mais tarde, a apresentadora acabou por ser integrada nos quadros da RTP e, aos 37 anos, viu a sua carreira estagnar: “Entrei para os quadros com uns 37 e com imensas ideias, porque até aí eu estava sempre a fazer programas. E, de repente, as coisas estagnaram. Em vez de fazer programas, comecei a fazer umas locuções off, parece que passei a ser um número. Passei de princesa a um número, que é o que acontece muitas vezes”, lamenta no Podcast Gender Calling.

Apesar de nem sempre ter sido fácil aceitar esta realidade, a entrevistada conta-nos que ter a sua família como prioridade foi essencial para não desanimar: “Há coisas que nos acontecem ao longo da vida e que nos fazem fazer escolhas. E foi bom eu ter percebido que a minha família estaria sempre em primeiro lugar, porque assim não me sentia tão triste quando me punham de lado. Quando não estava a fazer televisão, dedicava-me mais à minha família.”

Numa conversa leve e transparente, Serenella Andrade partilha alguns dos momentos que a marcaram, explica como é ter 60 anos, comenta a falta do pai e a importância de haver vida para além da televisão.