Ser gay em Famalicão: "Há medo de se falar da comunidade LGBT"

Ser gay em Famalicão: "Há medo de se falar da comunidade LGBT"

"Na campanha política das autárquicas, em Vizela, houve um dirigente de um partido que nos disse que o partido era contra debater-se este tema durante a campanha. É aquele medo de: "Não vamos falar da comunidade LGBT porque vamos perder votos. É conservadorismo"". É assim que Diogo Barros explica como o tabu da homossexualidade chega às estruturas do poder em várias zonas do interior norte português.

Diogo é coordenador do Grupo de Apoio a Pessoas Queer (GAPQ), a estrutura que foi contactada pelo dirigente político em causa. O interesse por saber mais sobre a causa LGBT era genuíno, sentiu, mas a condição política do partido era mais forte e o contacto não avançou: "Nós reunimos com qualquer partido que defenda as nossas causas, mas a partir do momento em que aquele senhor me diz que o partido tem medo de reunir connosco durante uma campanha, quer dizer que usa simplesmente a causa LGBT como bandeira e propaganda política. Assim, não reunimos nem na campanha nem depois da campanha", afiança.

O silêncio que se vive é a mais gritante dificuldade, defende Diogo. Tem 19 anos, é de Vila Nova de Famalicão e decidiu criar o GAPQ em agosto de 2021, na sequência daquilo que ele próprio sofreu enquanto jovem: "A comunidade homossexual nunca foi tema em casa. Não se falava. Claro que havia sempre um ou outro elemento da família que tinha comentários homofóbicos, mas quando temos 14 ou 15 anos acabamos por ter de calar e consentir", explica.

O preconceito começou ainda quando tinha namoradas: "Eu era conhecido como o hetero apaneleirado", conta ao Gender Calling, "porque, para as pessoas, ter tiques, ter gestos ou a tua maneira de falar fazem de ti uma pessoa gay, o que não faz muito sentido porque não é a maneira como tu falas ou os teus tiques que vão fazer de ti homossexual ou não". Mas foi quando percebeu que também gostava de homens e quando começou a mostrar afeto por um rapaz publicamente que as coisas mudaram. Começou a sentir que não pertencia a categoria nenhuma: "Muita gente diz que a bissexualidade é para alguém que está indeciso, outros dizem que é uma pessoa gay que tem medo de se assumir".

"A bissexualidade sofre preconceito por parte das pessoas opressoras e das pessoas oprimidas. Dentro da comunidade LGBT continua a existir pessoas com preconceitos e conservadoras", garante Diogo Barros.

Famalicão, Vizela e Guimarães são cidades onde o conservadorismo impera, garante o coordenador do GAPQ. Em 2018, foi organizada a primeira marcha LGBT em Guimarães, mas o descontentamento público levou a que fosse a última: "A marcha passou pelo centro de Guimarães, que tem bastantes cafés, então houve ameaças de pessoas que estavam a passar na rua, comentários homofóbicos, comentários nos jornais com ofensas, que levaram a que a organização tivesse medo de repetir a marcha no ano seguinte", conta.

Já em 2021, revela ao Gender Calling, Diogo foi agredido durante uma ação do GAPQ, enquanto estava a colar bandeiras arco-íris nos postes de eletricidade na Praça Dona Maria II, em Famalicão: "Foram vários socos na cara, depois vieram populares que separaram a pessoa de mim. Eu quis apresentar queixa mas não conhecia a pessoa, não tínhamos videos nem nada que identificasse". O ativista de 19 anos queixa-se de falta de interesse dos meios de comunicação social: "Mandámos comunicado para a comunicação social sobre a agressão e não houve nenhum órgão local de Vizela, Guimarães ou Famalicão que abordasse esse tema. Ignoram-nos completamente. Não querem falar do tema".

O medo da exposição e do preconceito leva a que a dimensão deste grupo de ativistas pelos direitos LGBT vá crescendo lentamente, e com muitas reticências. "É difícil angariar pessoas para se juntarem. Neste momento o GAPQ tem 20 ativistas, mas a maioria tem medo de dar a cara. Se for muita gente à marcha sentem-se seguros, mas se vier pouca gente não se sentem seguros. Porquê? Porque dará para perceber bem quem são as pessoas que lá estão. Dá para identificar. E ficarão conotados. Há muitas pessoas que não são assumidas", revela.

Este ano o grupo está a organizar 3 marchas: a segunda em Guimarães, a 25 de junho, e a primeira em Famalicão e em Vizela, a 10 de setembro e a 1 de outubro, respetivamente. Perante o clima de animosidade descrito, questionamos: "Será que estas marchas vão mesmo acontecer?". Diogo responde: "Vão acontecer, nem que seja só com 10 ou 5 pessoas. Nós vamos avançar, custe o que custar e a quem custar. A comunidade LGBT existe nestes 3 concelhos, merece respeito e tem que ter quem lute por ela todo o ano".

Este artigo faz parte da rubrica "Ser...", em que se descobre como é ter determinada identidade num determinado contexto.