A desigualdade na emergência climática: não, ainda não estamos todos conscientes

A desigualdade na emergência climática: não, ainda não estamos todos conscientes
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Já te cruzaste com pessoas que não se preocupam com a sustentabilidade ambiental? Ou, até, que não acreditam nas alterações climáticas? Será que tu própria tens dúvidas em relação à sua existência? Provavelmente, já todos nos cruzámos com alguém que não quer saber deste assunto, deixando-nos surpreendidos, enervados ou desesperançados; começamos, imediatamente, a fazer julgamentos sobre essa pessoa, porém, podem revelar-se infundados – foi a reflexão que retirei das ideias deixadas por Marcelo Rebelo de Sousa no evento de aniversário da secção Azul do jornal Público.

“Nós achamos que há consciência generalizada [das alterações climáticas], porque pensamos nos meios de comunicação social, nos meios políticos, na juventude, onde a consciência se generalizou. Mas, num país envelhecido, não há consciência generalizada, ainda é muito restrita. É a pobreza associada ao envelhecimento. Isto é um problema muito grave do nosso país.”

O Presidente da República fez um forte chamamento à realidade num espaço cheio de mentes conscientes das alterações climáticas. Dá que pensar: é mais importante retirar conclusões sobre a ética das pessoas ou esforçarmo-nos para que elas passem a compreender os factos? É que sem a maioria da população interessada em salvar o planeta, será difícil exigir melhores políticas por parte dos governantes.

Sim, é natural que para quem tenha presente a dimensão do problema, surja ira perante a sua negação; há, realmente, pessoas que sabem bem o que se passa e, mesmo assim, militam o negacionismo e as teorias falsas, por motivos que eu não consigo identificar; mas há outras que não tiveram a oportunidade de se inteirar desta realidade – ainda. Democratizar a informação, simplificá-la para alguns (e reforçá-la para outros) parece ser a opção mais eficaz. “Eu prefiro o otimismo realista”, revelou Marcelo.

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Estávamos no encerramento da conferência "as cidades costeiras e a crise climática", que teve lugar no Porto, em 12 de maio. Ali, pode ser difícil acreditarmos que ainda persistem falhas na tomada de noção de uma emergência planetária, com todos os avisos de cientistas, reportagens de jornalistas e o desespero de ativistas. Mas o Presidente teve o cuidado de advertir a todos os presentes que, aparentemente, existem muitas pessoas, em Portugal (e na maioria dos países, certamente), sem meios para compreenderem o cenário ambiental.

“Nós — que somos privilegiados na nossa educação, conhecimento e formação — temos de apostar na mudança do futuro; temos de fazer mais na generalização da consciência. Os ativistas, nomeadamente jovens, têm feito tudo o que podem.”

A solidariedade é sempre uma boa via

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Além da esperança em contribuir para uma mudança, a responsabilidade social é outro fator que pode dar alento e ajudar a diminuir o peso dos sentimentos negativos que assolam as pessoas com preocupação ambiental perante a inação de outras.

“Há uma fatia enorme da sociedade portuguesa que está condenada a enfrentar as consequências das alterações climáticas de uma forma muito mais penosa do que os demais. Isso é uma injustiça”, afirmou Marcelo.

É comum que quando as condições de vida pioram, quem mais sofra sejam as pessoas que já são mais vulneráveis, porque têm, precisamente, menos recursos preparados para as enfrentar. Ainda que seja uma generalização, há vários dados que demonstram esta realidade. Por exemplo, na Europa, "cada vez há mais e melhores planos de adaptação às alterações climáticas, mas estes consideram cada vez menos as pessoas vulneráveis, como os idosos, as crianças (ou os seus representantes), os cidadãos com baixos rendimentos ou as minorias étnicas", constata um estudo noticiado pela revista Smart Cities.

A ideia deixada por Marcelo Rebelo de Sousa é que quem tem mais instrumentos para lutar por melhores políticas ambientais tem o dever (assumo, no mínimo, ético) de também lutar por quem não tem esses mesmos instrumentos.

Temos de reforçar a coesão social. Precisamos de evitar casuísmos irreversíveis para o futuro. Se se quer um desenvolvimento sustentável, estão implicados momentos de sacrifícios na rentabilidade económica, mas que serão compensados no futuro e terão rentabilidade”, comentou o Presidente.
“Os activistas, nomeadamente jovens, têm feito tudo o que podem”, diz Marcelo
Para celebrar o aniversário do Azul, a conferência Cidade Azul reuniu no Porto investigadores e autarcas para falar sobre a gestão das cidades do litoral em tempos de alterações climáticas.

Na conferência — integrada nas comemorações do primeiro aniversário da secção do Público dedicada ao ambiente, o Azul — João Morais Mourato, investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, explicou uma das possíveis razões para a resistência à implementação de mais políticas amigas do ambiente:

“As alterações climáticas vêm chocar com privilégios: como nos vestimos, como ocupamos o território, como nos deslocamos, etc.. E quando há ameaça aos privilégios já definidos, há choque.”

Para mim, é, também, mais um motivo para a indispensabilidade de esta luta ser uma causa de todos. Nesta linha, o presidente do conselho diretivo do IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera), Miguel Miranda, lançou a questão: a democracia consegue salvar o planeta? “Será que o sistema democrático consegue implementar soluções para enfrentar as alterações climáticas?”, perguntou.

Deixo esta pergunta como reflexão final. Para mim, uma coisa é certa: se a democracia não conseguir, temos de juntar esforços para que consiga. Se tiverem alguma ideia, defendam-na no vosso dia-a-dia. Não há alternativa aceitável à democracia.

Artigo de opinião